2 de outubro de 2011

Mais uma gafe nas nuvens, desta vez de “premiados chefs”

Há mais de uma década sempre ouvimos reclamações de amigos sobre o tratamento dado pelas companhias aéreas àqueles que, por necessidade ou opção, solicitam alimentação especial durante o voo.

Meu primeiro contato sobre esse tema polêmico foi no início dos anos 2000, no capítulo Alimentação Vegetariana: chega de abobrinha! do livro Boas Maneiras, onde o Educador DeRose resumia as tragicômicas roubadas em que já se metera por solicitar alimentação "especial", nos milhares de voos feitos em 50 anos de carreira, a ministrar cursos e lançar livros mundo afora.

Esse texto tinha apenas oito páginas, mas com o passar do tempo acabou crescendo e se tornando um livro próprio, com o mesmo título. Foi-se ampliando conforme também parecia aumentar a cegueira dos responsáveis pela área nutricional das companhias, perante as mudanças sociais que se lhes passava diante dos olhos.

Respeito na Europa, ignorância no Brasil

Houve muitos os avanços na discussão sobre vegetarianismo, a partir de uma maior conscientização ecológica, dos diversos problemas globais causados pelo bicho-homem, com o significativo aumento da quantidade de pessoas que deixam de comer qualquer tipo de carnes.

Na Europa, quase todos os cardápios já têm uma seção especial sem carnes, e podemos nos denominar vegetarianos sem culpa ou risco de sermos olhados com estranhesa e de recebermos apenas uma salada de alface. Mas no Brasil, isso ainda continua um grande problema. Jamais se diga vegetariano, é como se dizer portador de uma doença contagiosa, a pessoa torce o nariz e dá um passo atrás…

Mas apesar de toda a evolução gastronômica internacional, as empresas aéreas, principalmente as brasileiras, continuam a cometer gafes imperdoáveis, desrespeitos descarados ao consumidor, não obstante inúmeras reclamações já registradas em seus sistemas de atendimento ao cliente.

Bem feito, seu teimoso

Por orientação do meu amigo DeRose em seus livros, sempre costumei fazer minha refeição completa antes do embarque, nos trechos longos ou internacionais, para não depender da sorte ou do humor de um nutricionista “estudado”. Mesmo assim, teimoso como bom gaúcho, certa vez resolvi pedir à TAM a tal alimentação VLML (lacto-ovo-vegetariana, ou vice-versa).

Como a própria denominação já explica, nesse sistema alimentar incluem-se todos os tipos de vegetais (verduras, frutas, folhas, raízes, grãos, leguminosas e incontáveis temperos), além de ovos, leite e derivados. Pensei cá comigo: as coisas já devem ter mudado, não creio que as empresas ainda sirvam só arroz e alface para quem se proclama vegetariano.

Ledo engano. Senti na pele - aliás, no estômago – a realidade desse problema. Como prato principal, enquanto meus colegas de viagem degustavam uma lasanha aos quatro queijos, fui contemplado com um arroz, um ambúrguer de soja e um pouco da maldita salada, nem sei de quê.

A soja não me cai nada bem, para mim é pesada e indigesta, mas como estava com fome, tudo bem, afinal, tinha horas de voo pela frente e a comissária informou-me não haver mais disponibilidade da lasanha aparentemente tão saborosa (comida de avião, vai saber…).

Mousse de chocolate é feito de carne?

Mas o pior ainda estava por vir: como sobremesa, todos receberam uma mousse de chocolate e eu, por ser vegetariano, ganhei uma salada de frutas! Aliás, só de melões! O sangue subiu-me, minha vontade era de bradar aos quarto ventos aquela ignorante injustiça gastronômica. Reclamei com a pobre aeromoça, mas logo percebi que não adiantava, afinal, a escolha do cardápio não é sua tarefa.

Tentando recuperar um pouco do prejuízo, expliquei a situação e pedi se não havia sobrado uma sobremesa daquelas. Ela concordou com o raciocínio de que mousse e chocolate não são carne (óbvio?), e pude abrandar minha indignação com um pouco de açúcar e cacau.

Ah, mas isso é só na classe econômica…

Em outra situação, dessa vez voando em classe executiva mas também pela TAM, novamente arrisquei pedir refeição diferenciada. Na econômica há apenas uma ou duas opções, mas com o preço das passagens de executiva e primeira, eles têm até menu!

Dei sorte, no cardápio havia uma pasta recheada de queijo e nozes ao molho de tomate com legumes, eu nem abri a boca para dizer que tinha pedido comida diferente, claro, e também ninguém perguntou. Ufa, até que comi bem.

Aliás, isso já havia ocorrido em outra viagem de econômica (sempre a TAM). Um dos pratos do dia era VLML, com certeza sem querer, e fiquei bem quietinho… Mas na ocasião do bife de soja não teve jeito, nossos nomes foram anunciados no microfone, para que todos soubessem que estávamos recebendo nosso prêmio por pedir algo diferente.

Pelo menos consegui a sobremesa…

Tadinhas das comissárias

Nessa última vez, o caso já foi um pouco mais complicado. Escrevo com a história ainda fresca, pois acabo de jantar, dessa vez voando de executiva (adivinhe a companhia?). Com o razoável sucesso das experiências anteriores, arrisquei de novo, e mais uma vez o cardápio previa uma boa opção: ravioli recheado de mozzarella com molho de tomate e aspargos. Parece delicioso no ar, não?

Experimentei não avisar nada, mas quando chegou nossa fileira, a moça mencionou o registro da opção. Eu disse que preferiria a pasta, porém não havia mais o ravioli, só as outras duas opções: salmão e frango (engraçado, mesmo com todos os outros passageiros tendo pedido refeição “normal”, o prato naturalmente ovo-lacto foi o primeiro a acabar). Então, qual era a opção VLML dessa vez? Arroz amarelo com pimentão e ervilhas. É sério!

Foi difícil segurar o bom humor. Perguntei se o ravioli por acaso não era também VLML (lembrando: massa, mozzarella, aspargos…), e insisti que era essa nossa opção do cardápio, afinal pagamos muito mais justamente para ter o direito de escolha. Outra colega chegou em reforço e ofereceu-se a buscar o prato para avaliarmos. Credo! Que horror! Um arroz amarelo de não-sei-o-quê, com jeito de requentado há três dias, uns pedaços de pimentões em cima e três vagens anãs de ervilhas enfeitando tudo!

Ficou constrangedor mas até engraçado, as comissárias nem tiveram coragem de insistir, elas também tomaram um susto. Uma rapidamente falou que iria tentar outra alternativa. Depois voltou dizendo que havia certa pasta, também de queijo, com molho branco (não sei de onde surgiu isso em pleno ar, talvez fosse a refeição do piloto…).

Enfim, sem alternativas, aceitei a troca. Depois, claro, pedi desculpas para a funcionária pela breve irritação, que compreendeu perfeitamente e merece todos os elogios pela forma como contornou aquela “coisa” que a empresa oferecia para um cliente executivo como sendo “especial”.

Menu business assinado por chefs premiados

Mas essa história não acaba aqui. É preciso mencionar o nome dos autores dessa obra-prima da “baixa-cozinha”, cujas fotos sorridentes ainda enfeitavam o cardápio, que era orgulhosamente aberto assim: “Menu business class Sabores do Mediterrâneo, pelos premiados chefs Sergio e Javier Torres”.

Não tem jeito, não conseguirei explicar melhor do que a própria TAM: “E você poderá degustar muita criatividade neste menu desenvolvido para a TAM com a consultoria exclusiva de dois chefs premiadíssimos: Sergio e Javier Torres. Saboreie e observe: são aromas exclusivos, texturas sofisticadas e gostos inesquecíveis, sempre com personalidade e leveza. Perfeitos para um voo. Perfeitos para você. Bom apetite!” Arroz com ervilha?

Desculpem-me a extensão do assunto, mas tenho de continuar: “Sergio e Javier Torres, chefs dos restaurantes “Dos cielos”, na Espanha, e “Eñe”, no Brasil, já trabalharam em restaurantes de vários países que, somados, chegam a 24 estrelas Michelin.” Vou parar por aqui, mas o texto segue ainda nessa linha…

Pelamordedeus! Isso lá é prato que dois ditos renomados chefs apresentem como sendo ovo-lacto-vegetariano? Arroz com pimentão? Horrível, tenebroso, guardado e apresentado feito marmita em pleno voo! Acredito que eles nem soubessem disso, mas deviam prestar mais atenção no que estão assinando. Já a TAM precisa urgentemente de uma consultoria realmente especializada, não de nutricionistas acadêmicos, mas de um bom apreciador da culinária apenas sem carnes, mas com cor, sabor, aroma, requinte e estética.

Mas não é só falar com o Presidente da TAM?

O problema é que quando tentamos reclamar ou explicar sobre isso, jamais conseguimos falar com as pessoas que realmente decidem, somos atendidos sempre por um telefonista (quando do pedido prévio) ou pela comissária (já na hora do problema, a 10mil pés), as quais, com toda boa vontade possível, explicam: “sinto muito, senhor..."

Será que um dia conseguiremos vencer essa barreira de ignorância? Será que teremos o direito de saborear um prato agradável em um longo voo, sem ter de comer grama com melões e pimentões ou esconder nossa opção de saúde?

Será que essa mensagem conseguirá chegar a alguém que realmente tenha poder para mudar essa gafe gastronômica que acontece a nas alturas, coisa que nem em terra firme já não ocorre mais?

As companhias continuam atrasando seus voos, mas estão ainda mais atrasadas no quesito alimentação. Está na hora de alguém que mande dizer: “deixa comigo”.

Axioma número zero

Como diz meu amigo Joris Marengo, no fim, o Mestre tinha mesmo razão. Aprendi a lição, não pretendo mais pedir refeição diferenciada.

Mas também não desistirei de tentar mudar essa grande injustiça! E enquanto isso, só nos resta comer bastante antes do embarque...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário aguarda moderação e será publicado em breve.