25 de fevereiro de 2011

Shiva Natarája

Na Índia, uma das variações mais conhecidas de Shiva é a sua forma Natarája, o Rei dos Bailarinos. Podemos observar em Natarája a combinação do asceta (o yôgi) com o dançarino (o artista). Ambos são considerados idênticos em suas performances, pela completa auto-entrega. Shiva é o criador mitológico do Yôga e das ciências metafísicas hindus, assim como das artes, especialmente a dança e a música.

O mais notável nesta tradicional imagem mitológica de bronze são os quatro braços de Shiva. O tambor na mão direita confirma sua origem pré-ariana: os dravidianos são formidáveis com o tambor. Simbolicamente, o tambor (damaru) é o som primordial, que simboliza o princípio do som, da palavra: do som vem toda a linguagem, a música e o conhecimento. O tambor simboliza também o éter ou espaço, que propaga o som e também o primeiro elemento que surgiu. O Unmai Villakam, versículo 36, diz: "A criação vem do tambor...". Será isso uma surpreendente intuição do big-bang da física moderna? A concordância é, pelo menos, perturbadora.

Com a mão direita, erguida em abhaya mudrá, gesto de afastamento do medo, da proteção e das bênçãos, Shiva diz: "Eu protejo". Na mão esquerda, ao alto, formando a ardhachandra mudrá (gesto da meia lua), ele tem o fogo, como elemento de destruição do mundo, da dissolução da criação. O tambor e o fogo representam o contínuo ciclo cósmico de criação e dissolução. Afronta para os brâhmanes, Shiva reúne em si três funções cósmicas: criação, proteção, dissolução. Para eles, Brahmá cria, Vishnu protege, e deixaram para Shiva o poder inglório de destruir!

A mão esquerda à frente traz a gajahasta mudrá que descreve, na dança indiana, a tromba do elefante. A tromba tem a simbologia do discernimento: o elefante sabe exatamente discernir a força que deve usar quando arranca uma árvore ou quando apanha uma palha no chão. No caminho do autoconhecimento é necessário o discernimento para que possamos separar o que é real (absoluto, eterno, verdadeiro) e o que é irreal (relativo, passageiro, mutante).

O pé esquerdo levantado transmite ao homem que ele também se levante a si mesmo na busca de sua Verdade Interior. O pé direito, neste momento da Dança Cósmica, está apoiado sobre um homem com corpo de criança e rosto de adulto – Apasmara Purusha, simbolizando o ego infantil, a imaturidade emocional, a irresponsabilidade – também chamado de Avidyá, a ignorância, a falta de conhecimento de si e de lucidez. Nataraja controla esses vrittis, essas instabilidades da consciência. Simbolicamente, é a sabedoria subjugando a ignorância: segundo o sábio Pátañjali, a ignorância é o maior obstáculo ao autoconhecimento.

O conjunto repousa num pedestal em forma de lótus, a flor sagrada da Índia que representa os chakras, os poderes interiores inerentes ao Ser Humano. Esta representação de Natarája mostra um círculo de chamas em torno dele, simbolizando a iluminação da consciência, e a dança da natureza, tendo Shiva, o Próprio Um, no centro. Dele tudo emana e nele tudo se dissolve.



Sua cabeleira reúne muitos símbolos. Jóias ornam seus cabelos trançados, cujas mechas inferiores dão voltas, indicando a impetuosidade de sua dança, que mantém o universo: enquanto Shiva dança, o Universo existe; se Shiva parar de dançar, o Universo pára, e se desfaz. Outra fantástica comparação: no grão de areia, para mim insignificante e imóvel, os elétrons giram em torno de si mesmos (o spin), "valsando" ao redor do núcleo dos átomos a milhões de quilômetros por segundo. Se, no cosmo, de repente, todos os elétrons, assim como a energia cósmica, parassem, o universo cairia de imediato no "nada dinâmico" (akasha) de onde proveio!

O rio Ganges brota do alto de sua cabeça, como prova da sua força e poder supremos. No topo de seu jutajata, o cóqui sagrado, o crescente lunar, simbolizando a ascendência de Shiva sobre a dualidade e os humores do dia e da noite. Em sua orelha direita, um brinco de homem, na esquerda, um brinco de mulher, indicando que ele reúne em si os dois sexos, o equilíbrio perfeito, em sua versão Ardhanaríshwara (hermafrodita), eliminando a dualidade do masculino-feminino, do bem-mal, do humano-divino.

Suas jóias acentuam sua divindade: usa ricos colares no pescoço, seu cinto é coberto de jóias preciosas, braceletes ornam seus pulsos, seus tornozelos, seus braços, e leva anéis nos dedos e nos artelhos! Veste um calção de pele de tigre e uma faixa, e uma serpente se enrosca em seus cabelos, sem lhe fazer mal – representando o controle sobre os instintos animalescos, a sublimação.

Todo o conjunto transmite uma impressão de impetuosidade graciosa, leve e fácil: apesar de sua dança desenfreada, o rosto de Shiva continua sereno. Na fronte, abre-se o terceiro olho, o ájña chakra, centro de força responsável pela intuição, que atravessa as aparências e transcende o sensorial.

Para quem sabe ver e, principalmente, perceber, a dança de Shiva, numa concisão comovente, revela o Humano e o Supremo, em uma eterna busca cíclica.

Assim, Shiva é Natarája, o rei da Dança.
.

2 comentários:

  1. Oi!

    O brilho está muito forte está complicado de se focar para ler.Sorry!Mas não há contraste visual.

    Thank you!

    ResponderExcluir

Seu comentário aguarda moderação e será publicado em breve.