17 de setembro de 2011

Budapest: um passado sempre presente

Estamos eu e Lucila em mais uma viagem, que elevará para 15 os países que já conheçemos - fora os muitos Estados do Brasil (que são como diferentes nações, pela distância, idioma, costumes e preços…). Isso sem contar os tantos aeroportos de outros países que visitamos apenas de passagem, sem sequer olhar para a rua. Quantos são mesmo os países que existem? Uma meta ousada, e haja bháva e prána para tanta novidade.

Antes da viagem, pensava em escrever um post por dia para compartilhar nossas experiências com os amigos queridos que ficaram no Brasil, como forma de levar todos junto conosco. Mas as dicas quentes, as maravilhas exóticas, as imagens, cores, sons, os espetáculos, a arquitetura, a arte, os lugares que sempre nos deixam boquiabertos, e tudo mais que há de tão gratificante em se viajar, sobre essas coisas todos escrevem em milhares de blogs, sites, livros e guias. Então vamos contar um pouco das histórias mais curiosas - e nem sempre tão agradáveis...

Dedicamos 3 dias a Budapest. Caminhamos muito, passeamos quase 12 horas por dia (como sempre fazemos) até esgotar nossas energias, mas ainda faltou tempo: um dia a mais teria sido perfeito. E, claro, não consegui escrever meus posts diários. Escrevo agora, no trem a caminho de Viena, aproveitando a belíssima paisagem do interior da Hungria.

Conhecemos lugares magníficos! A cidade é realmente linda, uma jóia milenar, com suas centenas de pequenas fontes e estátuas de bronze de tamanhos ínfimos ou gigantescos (mas todas com muito significado histórico), espalhadas por todos os cantos. Castelos e fortificações, prédios centenários imponentes, praças, ruas, parques, concertos e aquele romântico passeio pelo rio Danúbio. Nossa, Budapest é realmente imperdível!

Detalhes tão pequenos são coisas muito grandes…

Claro que ficamos estupefatos! Mas um detalhe em especial nos impressionou muito: o mau-humor do povo no atendimento. As pessoas vivem do turismo, dependem dele, mas tratam os turistas tão mal, são carrancudos e grosseiros, como se nós os estivéssemos incomodando enquanto estão ocupados a laborar. Mas seu trabalho é justamente nos atender!

Depois de algum tempo acabamos nos acostumando um pouco com isso. Não que tal comportamento deixe de nos aborrecer ou criar transtornos, mas é que chega a ser uma piada! Bem, vamos aos fatos… relatarei apenas três cenas ocorridas em nossos últimos instantes, já de saída da cidade.

O preço de uma chamada

Ao fazer o check-out no hotel, o taciturno atendente disse que já estava tudo pago (fiz a reserva pela Internet), mas faltava pagar uma ligação telefônica. Expliquei que eu tentara de fato fazer tal chamada (para comprar os ingressos do concerto que assistimos na Basílica de São Estevão), mas que apenas chamara e ninguém atendera. Ele respondeu com sua irrefutável lógica argumentativa: "sua ligação foi para celular".

Tentei arguir novamente que ninguém atendeu, mas não adiantava, ele apenas repetia o preço: algo em torno de 500 da moeda local (que fomos embora sem conseguir pronunciar). Eu perguntei "in Euros, please?" Eram 10 centavos de Euros, menos de 25 centavos de Real. Mostrei as únicas moedas que possuía, duas de 50 cents, e ele me deu a entender que não tinha troco.

Em outra situação qualquer, teria deixado com prazer os 50 cents e diria para ele ficar com o troco, de apenas 400% sobre o valor da conta. Mas ele não fez por merecer um centavo sequer de gorjeta. Após alguns instantes naquela situação constrangedora, de resmungos por ambas as partes, gargalhando por dentro e sorrindo por fora, pedi então que ele passasse no cartão.

E não é que ele assim o fez? Qual foi minha surpresa quando vi o ticket de pagamento da ligação nunca completada. Eram 0,09 cents de Euros, e não 0,10! Piada, né? Só não sei como meu banco vai cobrar o IOF de 6% dessa compra que dá meio cent!

Espere a sua vez!

Pois bem, pegamos um táxi e chegamos na belíssima e centenária estação de trens, sem compreender onde compravam-se as passagens. As placas não estavam em inglês, eram escritas somente nos hieróglifos húngaros. Nem mesmo os banheiros localizamos, pois seriam 3 horas de viagem. Paciência, seguimos em múlá bandha.

Enquanto minha amada Lucila aguardava sentada cuidando das malas e apreciando as caricaturas transeuntes, fui comprar nossos tickets para Viena, no setor dos guichês de passagens internacionais. Havia uns 5 abertos, de uns 10 ao todo. Destes, 2 estavam ocupados, então fui para um dos ociosos. Ociosa também estava a senhora que me atendeu. Melhor, que não me atendeu. Ela disse que eu precisava pegar uma senha. Simples não? Seria, se ela primeiro não tivesse falado o idioma impronunciável dos húngaros, que nunca permite distinguir se estão a elogiar ou xingar seu interlocutor.

Mas voltemos ao guichê. Depois de algumas perguntas sorridentes da minha parte e repetições deseducadas de volta, entendi que tinha de pegar a senha. Perguntei onde e, claro, não compreendi a explicação. Fui à procura da maquineta, peguei meu número 255 e voltei. Optei por outro caixa, na esperança de que a atendente anterior estivesse apenas em uma crise conjugal ou TPM. Mas no outro a situação foi ainda mais cômica, de tão ridícula.

À senhora do outro caixa, entreguei a senha e pedi "excuse me, two tickets to Wien, please". Sem me olhar nos olhos, ela pegou minha senha, olhou no computador e disse que eu tinha de aguardar a minha vez. Natural? Já rindo da situação e sorrindo para ela disse, no meu inglês meio torto: "mas não tem ninguém aqui!" A essa altura, a enorme sala de tickets internacionais da estação de comboios estava ao léu e eu era o único cliente.

Ela, inconformada por ter de me atender, puxou a senha da minha mão a resmungar qualquer coisa e perguntou-me se era "one-way" ou ida-e-volta, em inglês, mas com um sotaque ainda pior do que o meu. Tive de perguntar "what?", sorrindo, mas morrendo de medo dela. Grato àquele vidro à prova de balas que me separava de suas garras, depois da terceira tentativa, compreendi: "sorry, one-way, please". Assim comprei a passagem, que não mencionava dia, hora, plataforma ou sequer poltrona. Que povo esquisito…

In Euros, please?

Logo em seguida, outra situação tragicômica na estação: escolhi uma das tantas lanchonetes, peguei na geladeira externa um refrigerante e um suco e pú-los sobre o balcão. A moça informou-me "in english" e sem mostrar os dentes: quatrocentos e tantos não-sei-o-quê…" E lá fui eu a dizer "in Euros, please?"

Ela repetiu duas ou três vezes que só aceitava na moeda local, que eu poderia trocar o dinheiro no câmbio ao lado, e simplesmente recolheu as duas latas, como a evitar que eu lhas roubasse! Certo, era uma pequena fortuna: 2,70 Euros, que paguei à lanchonete seguinte, após ser atendido quase da mesma forma.

Não raras vezes, em vários prédios, entramos, circulamos um pouco a apreciar a soberba arquitetura secular e saímos sem recebermos um único olhar, quiçá um sorriso. Foi assim na biblioteca, na ópera, nos museus e em tantos cafés, lojas e restaurantes. E incontáveis foram as situações em que pedimos informações e não recebemos resposta, tampouco um simples sorriso de cortesia (será que eles têm mesmo dentes?).

Belo presente de um passado obscuro

O quanto mais simpáticos tentávamos ser, parece que mais irritados eles ficavam! Confesso, na manhã do último dia, acordei pilhado para arrumar as coisas e ir embora daquela cidade que, embora linda, não nos foi nada receptiva.

Em Paris, havíamos tido algumas experiências de péssimos atendimentos, como se estivéssemos invadindo o território deles. Tudo bem, os turistas invadem mesmo, porém os cidadãos locais ganham muito com isso! Mas Budapest levou vantagem disparada nesse quesito. É uma pena, a cidade é lindíssima, o que a estraga são as pessoas.

Como parecem infelizes os cidadãos de Budapeste! Talvez por terem sido assombrosamente maltratados em sua história mais recente, pelos nazistas e depois, de modo muito pior, pelos soviéticos. Com milênios de história, o país só conseguiu sua autonomia atual em 1956, após uma revolução contra os russos. Mesmo sem entender bulhufas do que ouvíamos, descobrimos esse passado bizarro em um dos tantos museus da cidade: o Museu Casa do Terror.

Com um nome desses, o que se poderia esperar? Logo na entrada, um tanque de gerra e milhares de fotos dos mortos na II Guerra Muncial, acompanhados de uma música amedrontadora, colocam o visitante no clima em que eles viveram durante anos a fio. Depois, masmorras, calabouços, instrumentos de tortura, fotos, filmagens e depoimentos aterradores de idosos sobreviventes gravados aos prantos. Forte mesmo!

Depois dessa visita, em nosso último dia de turismo, passamos a sorrir ainda mais, talvez por pena, talvez para tentar alegrar seus corações, ainda que sempre em vão. Mesmo assim, praticar a polidez, simpatia e atenção lhes faria muito bem e daria mais frutos para um futuro muito melhor do que todo este passado.

Sorte ou azar?

Pode parecer que estamos exagerando, mas tantas situações dessas em apenas 3 dias de passeio (aliás, tantas em poucas horas!) representam uma estatística irrefutável dessa endemia carrancuda. Será assim mesmo ou eu e Lucila é que somos muito azarados e falamos sempre com as pessoas erradas? Mas só por termos um ao outro como companheiros de viagem, essa hipótese já está descartada. Resta mesmo o mau-humor.

E assim, embarcamos no trem rumo a Viena, e, quem sabe, a outro padrão de receptividade. I hope so


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