23 de janeiro de 2011

Felicidade real x miséria existencial

O mundo está cada vez mais globalizado, as mudanças são rápidas, as crianças aprendem cada vez mais cedo a serem adultas. Mas esse processo inexorável de aceleração evolutiva tecnológica que temos acompanhado especialmente nos últimos 50 anos não tem necessariamente trazido felicidade para o Homem.
A informática facilita nosso dia-a-dia, torna-a confortável. Já descobrimos a cura para quase todas as doenças e talvez daqui a poucos anos conquistaremos uma vida quase eterna. Mas apesar de tudo isso o Ser Humano está cada vez mais infeliz.
É como se a ampliação do conhecimento, a descoberta do universo, a evolução da ciência, medicina, filosofia, nos trouxesse ao mesmo tempo um imenso vazio interior, um vácuo existencial – temos tudo o que queremos mas nos falta algo, inexplicável, inatingível.
Nesse contexto, as drogas surgem como uma válvula de escape rápida e eficaz, uma busca fugaz do prazer instantâneo, mas que a longo prazo aumentam ainda mais o abismo interno do ser, a falta de sentido para a existência.
E quantas pessoas conhecemos que sofrem de depressão, são tristes, infelizes, apesar de terem dinheiro, sucesso, fama. Não conseguimos compreender isso! Tudo o que alguns querem é ser famosos, e muitos dos que o são estão infelizes, amargurados...
A filosofia Sámkhya, uma antiga tradição Hindu de milhares de anos, nos ensina sobre o conceito da Tríplice Miséria Existencial. Segundo essa teoria, estamos sempre insatisfeitos com tudo e todos, em três níveis distintos:
  • Com nós mesmos: sempre estamos descontentes com nosso corpo, por exemplo. Ou somos muito gordos, ou muito magros, altos ou baixos. Não gostamos do cabelo, da roupa, da barriga...
  • Com os demais seres: mosquitos no meio da noite, moscas nos atazanando uma refeição, cachorros que latem, o motorista lento do carro da frente, o inepto caixa do banco...
  • Com a natureza em geral: ou está muito frio, ou muito calor. Chove ou faz sol demais... o tempo que não passa... ou que voa...
Além disso, cada vez que conquistamos alguma coisa, aquela necessidade suprida dá lugar a outra, maior e mais complexa, mais difícil de ser atingida. E assim nossa existência passa, escoa pelos dedos, e quando percebemos já se foram 30 anos, 40, 50...
E a crise dos 40 anos? Simples. Corremos feito doidos desde os 15 anos de idade para conquistarmos nossa independência e sobreviver nesse mundo cruel. Estudamos, trabalhamos, e os dias se repetem, praticamente idênticos, um após o outro. Então, quando nos damos conta, alcançamos aquilo que até então julgávamos o mais importante de tudo. Eis que nos acomete um vazio, uma ausência de sentido e razão de ser. O que buscar agora? Nessa fase, muitas pessoas mudam radicalmente de vida, começam tudo de novo, correndo atrás de sonhos abandonados. Outras, sem a mesma força de vontade ou estrutura psíquica, entregam-se à depressão, à televisão, álcool e remédios para dormir.
Mas o que será isso? Terá a Humanidade alguma saída para esse labirinto social e pessoal que nos envolve desde a infância? Podemos nós alcançar a verdadeira felicidade e o sucesso real, que satisfaçam nossa essência, que preenchem nosso interior e não dependem de mais nada nem ninguém a não de nossa própria sensação pessoal de plenitude?
O que você acha? Qual a saída?

5 comentários:

  1. Belo texto Rodrigo.

    A miséria existencial é resultado do processo civilizatório, que primou pelo superdesenvolvimento das faculdades emocionais e racionais do humano, em detrimento de outras mais sutis, como o intuicional (buddhi).

    Sendo assim, não há como escapar desta miséria enquanto não galgarmos a consciência acima destes dois patamares, que são importantes, mais ainda muito primários em matéria de autoconhecimento e realização.

    Daí vem a segunda indagação: como propor este salto evolutivo em escala macro, às populações e nações? Tradicionalmente, filosofias que possuem ferramenta para tanto só funcionam em caráter iniciático, passando de um a um.

    Mas acho que isso é assunto para outro post, talvez... :-)

    Grande abraço

    Rômulo Justa
    www.romulojusta.blogspot.com

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  2. Olá, Rômulo.

    Que bom vê-lo por aqui. E adorei seu comentário!

    Duas coisas daí se depreendem:

    1) Precisamos sempre ter ciência de que galgar os patamares mais elevados de consciência não significa abandonar os níveis que ficam mais abaixo. Estão "abaixo" mas não ficam "pra trás", hehe.

    Esses níveis ditos inferiores são veículos necessários, assim como as rodas são necessárias para levar um carro adiante, e este por sua vez é necessário para levar o motorista...

    2) Sobre salto evolutivo x escala macro, acho que são coisas quase incompatíveis, ou, como se diz em estatística, eventos mutuamente exclusivos.

    Todo salto evolutivo se dá sempre com poucos indivíduos da espécie, e depois pode levar milhões de anos pra se espalhar pela espécie toda, quando de sua total renovação.

    Da mesma forma, acredito que não há como se expalhar uma "evolução da consciência", assim como a evolução da perda do rabo no primata humano pode ter levado sabe-se lá quanto tempo - e olha que aparentemente é muito mais simples, hehehe.

    Inclusive temos um amigo que frequenta este blog, o Leandro, que talvez nos compartilhe sua opinião como biólogo, até porque eu me meti descaradamente nesta seara ao arriscar-me neste post, hehe.

    Um grande abraço.
    Rô.

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  3. Leandro Luís Rodrigues24 de janeiro de 2011 às 22:30

    Rô, a profundidade do teu post é imensa. Não só imensa, mas altamente significativa. E quando você pergunta no final: qual a saída? Chega bater um desespero; digo desespero porque nossa espécie tem caminhado pelo mundo primorando o intelecto e esquecendo suas origens.

    Somos filhos da Terra, assim como todos os outros seres vivos, mas nosso principal ponto evolutivo (o raciocínio contínuo e o poder de análise do mundo e de nós mesmos) nos tornou arrogantes a ponto de ignorar sensações institivas simples, as quais nos complementam e nos fazem felizes: o carinho, o toque, apenas sentir, apenas viver o presente, amar e se admirar com algo pouco complexo. Passamos a achar que o externo e o material preenche, e encarceramos nossas emoções.

    Não se trata só de ver e perceber as coisas a partir de nossas premissas e teorias (paradigmas), mas também de como nos colocamos no mundo, acho que esse é o ponto. O homem sempre procurou a liberdade, ela está no cerne das aspirações humanas, é a coroa do prazer de viver e o alicerce da personalidade saudável. Existiram escravos que foram libertados e e homens livres que se tornaram escravos: escravos de suas emoções e desejos de conquistas exteriores. Sem a liberdade, o ser humano deixa de sonhar e esmaga seu encanto pela existência.

    E é aí que nos desapontamos quando conquistamos aquilo que achávamos ser primordial, porque ficamos presos a algo (trabalho, estudo, amores perdidos, passados mal resolvidos, viagens, carros, mansões) e deixamos de sonhar. A maior prisão do mundo é aquela que aprisiona internamente, o encarceramento da emoção.

    Como você bem disse, estamos ainda muito ligados ao arcabouço de pensamentos criados pela ciência do início do século XX. E por isso nem os grandes homens livraram-se de ter conflitos; os pensadores na filosofia e nas ciências viveram crises emocionais e existenciais. Produziram esculturas, peças literárias, textos filosóficos, pesquisas científicas, tudo como superação da angústia que os abatia, e morreram angustiados. Provavelmente o próprio mestre De Rose teve angústias, ou ainda as tem. Sem falar que o mundo moderno virou uma fábrica de pessoas estressadas.

    Contudo, há soluções para os principais problemas do nosso tempo, algumas delas até mesmo simples; mas requerem uma mudança em nossas percepções, no nosso pensamento e valores.

    Vixi, estou escrevendo demais e falta espaço para eu dizer tudo que quero, então encerro meu mega comentário com as palavras do sábio Antoine de Saint-Exupéry:

    "Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer".

    Podemos ser autores de nossa história, desde que não esqueçamos o que é essencial a nós.
    Quanto à tua pergunta: qual a saída? Não sei a resposta, mas acho que se amarmos mais, de verdade e vivermos cada dia prazerozamente, podemos diminuir nossas frustrações.

    Sorry pelo comentário longo, mas não consegui me conter diante de um post tão profundo, que exije discussões mais profundas que ficarão para um café saboroso ao lado de companheiros "saborosos".

    Obrigado pelas reflexões amigo.

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  4. Belo comentário Leandro, lembrou-me de Maturana, seu colega de métier, e sua biologia do amor. Profundo e verdadeiro.

    Rodrigo, quanto ao primeiro tópico de seu comentário, estou de total acordo. Próximo tópico :-)

    A história humana (pleonasmo? não creio, há outras histórias...) realmente nos mostra que o esclarecimento e a evolução advém em pequenos grupos, uma elite de vanguarda, por assim dizer.

    Talvez seja uma questão de sensibilidade: tais indivíduos de vanguarda sentem e acolhem o mundo de maneira assaz diferente da maioria. Como forma de apoio mútuo, agregam-se e esta egrégora, não raro, é capaz de chacoalhar os pilares da história.

    A questão que me vem é que estes indivíduos devem eticamente ter um compromisso distinto com os rumos do mundo. A consciência mais expandida é um instrumento de realização e mudança e uma visão expandida pode amenizar e lapidar o egocentrismo cru, predispondo-nos a uma atitude genuína de servir, cooperar.

    Imagine estes indivíduos hiperconscientes em cargos de poder e influência, como agiriam com outra ética, outro propósito...

    Esta é a ideia do "chakravartin" , o bom e justo governante hindu, bem como o projeto original do "déspota esclarecido", o modelo de governante do Iluminismo (acho que a parte do déspota foi uma adição infeliz à receita...).

    Enfim, boas lideranças podem contribuir para diminuir a miséria existencial, hehehe

    Bom papo o nosso, isso não se acha em qualquer esquina :-)

    Abraços aos amigos.

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  5. Leandro Luís Rodrigues26 de janeiro de 2011 às 13:09

    Rômulo, sou fã de carteirinha do Maturana hehehe! Obrigado pelo feedback.

    E concordo com você, quando afirma que boas lideranças podem contribuir para diminuir a miséria existencial, pois através da hiperconsciência de alguns podemos atingir àqueles ao redor. Não necessariamente precisamos de pessoas em posições altas ou políticas para que isso aconteça, mas é o compromisso de todo ser que é responsável por um grupo, seja qual for esse grupo.
    Professores, instrutores, coordenadores, gerentes, pais e mães de família, treinadores, líderes de pequenas e grandes tribos sociais; TODOS por estarem numa posição de liderança tem o dever de diminuir a miséria existencial, se assim não for, devem repensar suas posições como líderes. E todo líder é responsável por seu grupo. Para fundamentar isso, roubo (novamente) as palavras de Antoine de Saint-Exupéry:
    "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".
    Acho que é isso!

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